UMA VIAGEM PELAS SOPAS PORTUGUESAS
A sopa, um dos elementos essenciais dos hábitos e da cultura portuguesa, é um dos pratos mais económicos e também mais fáceis de cozinhar. A enorme diversidade das sopas portuguesas oferece opções para qualquer gosto ou ocasião: desde as sopas mais substanciais com couve e feijão, às canjas de galinha, ou aos gaspachos para dias quentes. Escolha a sua próxima sopa e inspire-se nas nossas receitas!
A sopa faz ainda parte dos hábitos alimentares dos portugueses?
Em Portugal, qualquer altura do ano é indicada para comer sopa e esta constitui uma parte essencial da dieta portuguesa.
Até recentemente, a tradição ditava que a sopa deveria ser servida como entrada antes do almoço ou jantar, caracterizando assim uma refeição saudável e equilibrada, o que para algumas crianças portuguesas, confesso, era uma tortura!
Em diversas ocasiões e variadas zonas de Portugal, a sopa pode ser considerada como prato principal, aconchegante, saboroso e saciante, sobretudo quando as temperaturas descem durante o Inverno e/ou quando precisamos de economizar nas despesas alimentares.
Em qualquer restaurante ou tasca portuguesa, no menu, existe pelo menos sempre uma sopa do dia por pouco mais de um euro, o que torna este prato a opção mais económica e, ao mesmo tempo, rica em nutrientes, quando precisamos de comer fora de casa.
Ao longo dos últimos 20 anos, em Portugal, assistimos a uma mudança nos hábitos alimentares tradicionais: novos ingredientes, novas técnicas, novas tendências, novas influências.
Os portugueses ainda optam pela sopa com alguma frequência, mas não tanto como antigamente e, em parte, porque cada vez mais exploramos cozinhas de todos os cantos do mundo, seja em restaurantes seja na nossa própria casa. E como adoramos saborear a diversidade, a cozinha portuguesa deixou de ser a única à mesa!
Por exemplo, se jantamos num restaurante mexicano, não pedimos um sopa portuguesa como entrada! O mesmo se aplica se formos a um restaurante japonês.
Contudo, por outro lado, é surpreendente constatarmos como a geração mais jovem, ainda neste gosto pela diversidade, adopta no dia-a-dia, por outros tipos de sopas, de diferentes latitudes -, como os ramens, as sopas wonton, o phô – que facilmente se encontram nas principais cidades de Portugal (em Lisboa, no Martim Moniz, por exemplo).
Assim, e para responder à nossa questão, se pensarmos de uma forma eclética e mais complexa, podemos afirmar que sim, a sopa ocupa ainda um importante lugar na dieta dos portugueses. Sejam as sopas portuguesas ou as de qualquer outro recanto do mundo!
O poder inegável da sopa
Na verdade, a sopa é um dos elementos mais importantes e essenciais no mundo gastronómico, sendo transversal a todas as culturas e a todos os tempos.
Considerada como um alimento de base líquida, as sopas podem ser feitas combinando carne, vegetais ou/e peixe com caldo ou água, ervas e/ou especiarias.
A cultura gastronómica japonesa, considerada como Património Cultural Imaterial da UNESCO, é caracterizada por um sistema denominado Washoku, que representa o equilíbrio ideal entre os nutrientes. Este sistema compreende as refeições domésticas diárias, que incluem a sopa como um dos seus príncipios, além do arroz, um prato principal, dois ou três acompanhamentos e picles.
Em Portugal, nas casas menos abastadas, a sopa ainda é o prato principal: equilibrada, rica em nutrientes e fácil de confecionar com quase qualquer um dos ingredientes disponíveis. O exemplo da açorda alentejana, para mim uma das sopas mais emblemáticas de Portugal, revela como se pode transformar a escassez de alimentos, de uma forma criativa, numa belíssima e saborosa sopa, utilizando pão duro (também designado por pão ressesso, pão velho), alho, coentros e azeite. Consoante os ingredientes disponíveis ou as ocasiões (mais ou menos festivas) podem-se acrescentar ovos, queijo de ovelha ou bacalhau.
Por outro lado, algumas sopas como a Canja de Galinha, têm a reputação de serem eficazes contra gripes, problemas digestivos e durante períodos de convalescência.
A enorme diversidade das sopas portuguesas cria opções para qualquer paladar ou ocasião: desde as sopas mais substanciais com couve e feijão, às canjas de galinha ou, para dias quentes, o gaspacho.
Este é pequeno itinerário das sopas Portuguesas, com algumas sugestões para aquecer as noites frescas mas igualmente com opções para os dias quentes de verão, que não tarda, batem-nos à porta!
Itinerário de algumas sopas Portuguesas
Sopa de Cação (Região do Alentejo)
Em Portugal abundam receitas com peixe, mas a sopa de cação tem uma história especial.
Acredita-se que esta sopa, originária do Alentejo, surgiu pelo fato do cação ser um peixe menosprezado pelos pescadores e pelos consumidores da costa portuguesa. Por outro lado, era dos poucos peixes de mar que apresentavam maior resistência ao transporte. Assim, o baixo custo e a baixa perecibilidade deste peixe fizeram que, quando apanhado nas redes de pesca, fosse enviado para o Alentejo, uma região caracterizada por um baixo poder económico.
Mas mais uma vez, a criatividade alentejana, deu origem a um prato delicioso e único, a partir de um peixe que, para muitos, era considerado de segunda categoria. Hoje a sopa de cação é considerada uma parte indispensável da gastronomia portuguesa.
É feita a partir de postas de cação cozidas num caldo composto por vinagre de vinho branco, folhas de louro, coentros, azeite, dentes de alho e água. O caldo é frequentemente espessado com farinha e, antes da confeção, o cação permanece numa marinada de vinagre, para amaciar as espinhas e conservar as principais qualidades do cação. É servido com fatias de pão alentejano submerso no caldo.
A sopa de cação da imagem, refere-se a um delicioso jantar, num dos restaurantes da cidade de Mértola, uma das minhas vilas preferidas da região interior do Baixo Alentejo.
Caldo Verde (região do Minho)
O Caldo Verde é provavelmente a sopa mais popular de Portugal, inclusive no estrangeiro, sendo consumida pela maioria das famílias portuguesas em casa, mas igualmente servida em todo o tipo de restaurantes ou tasca portugueses.
Esta sopa tem origem na província do Minho durante o século XX tendo sido considerada, em 2011, uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa.
O Caldo Verde pode ser servido como entrada antes da refeição principal, de preferência acompanhado de broa, um tradicional pão de milho.
Em Lisboa (mas não só!), esta é a sopa de eleição depois de uma noite boémia, de copos e dança. Neste caso, o pão com chouriço substitui a broa e confere a consistência necessária aliada ao caldo, para evitar qualquer ressaca!
Mas a sua reputação de sopa boémia não termina por aqui. Diz-se também que é a sopa que melhor acompanha uma noite de fado!
O Caldo Verde é feito com puré de batata, cebola e alho, couve portuguesa migada (na foto, uma couve oferecida pela minha tia) e azeite. Ao servir, adiciona-se uma rodela – ou duas, ou três! – de chouriço.
Caso seja vegetariano ou vegano, basta dispensar as rodelas deste enchido português. Aquando num restaurante, certifique-se que no processo de confecção este não foi utilizado.
Aqui podem consultar a minha receita de sopa de caldo verde.
Açorda de Bacalhau (Região do Alentejo)
Tal como muitas palavras portuguesas, a palavra açorda tem raízes árabes. Etimologicamente, deriva do dialetal árabe al-thurda, usado na Península Ibérica aquando governada por muçulmanos durante o império Al-Andalus.
Al-thurda, o elo etimológico mais próximo da palavra açorda, significa pão migado e ensopado, pão fatiado de molho e, segundo consta, era um dos pratos principais, como forma de subsistência durante as crises alimentares.
No Alentejo – onde esta sopa de pão portuguesa está hoje mais bem representada – açorda ou sopa Alentejana estabeleceu-se, em grande parte, como meio de utilizar pão ‘velho’, pão ‘duro’, pão de véspera, pão ressesso ou como se diz no Brasil, pão amanhecido.
Na verdade, o pão é uma das pedras angulares da dieta do Sul da Europa, e Portugal, com uma rica e diversificada história de panificação, não é exceção. Mais do que um veículo para qualquer tipo de recheio, o pão serviu como uma fonte de energia essencial durante várias gerações.
O respeito pelo pão era indiscutível, por isso era importante evitar ao máximo o seu desperdício. Assim, em todo o país, o pão velho foi incluído em diversas receitas, tanto salgadas como doces (como as fatias douradas), sendo o uso de pão nas açordas é provavelmente o mais comum.
Dependendo dos ingredientes disponíveis (por razões económicas ou apenas por escolha) o resultado e a experiência gastronómica poderá ser substancialmente diferente. Podemos ter variações de açordas veganas, com apenas alho, pão, coentro e azeite, ou variações vegetarianas às quais se podem adicionar ovos escalfados ou queijo fresco. Finalmente, uma opção mais frugal inclui o bacalhau em posta ou desfiado. Qualquer uma delas é deliciosa!
Canja de Galinha
Canja de Galinha resulta de um caldo com cebola, alho, hortelã onde foi cozido o frango. Dependendo da região, arroz ou massa pode ser adicionada e ainda pequenos cubos de cenoura ou outros vegetais.
É uma sopa presente durante todo o ano e que podemos encontrar ocasionalmente em restaurantes, mas ela está sobretudo associada a ocasiões especiais. Em Portugal, mas também em Cabo Verde e no Brasil (ex-colônias portuguesas), a canja de galinha é frequentemente recomendada para ajudar, por exemplo, na recuperação de gripes e problemas digestivos.
Em Cabo Verde, esta sopa pode ser também servida após um funeral, mas também incluída em ocasiões mais festivas como a passagem de ano, casamentos e outros eventos equivalentes.
Uma sopa leve mas, sem dúvida, reconfortante.
Creme de vegetais
Nutritiva, econômica, fácil de preparar e suave no palato. Ótima para todas as ocasiões e todo o público, sejam bébés, crianças ou adultos.
A base desta sopa pode incluir qualquer vegetal da nossa preferência. Contudo, a mais comum, é confeccionada com os legumes que mais Portugal mais produz, nomeadamente batata, cenoura ou abóbora.
Se quisermos acrescentar textura ao creme de vegetais adicionem-se alguns ingredientes extra, como peixe enladado ou cogumelos cozinhados com alho e por fim, acrescente ervas aromáticas a seu gosto. A imagem ao lado, mostra uma sopa que fiz com os vegetais que encontrei no meu frigorófico: alho francês e abóbora ao qual adicionei umas deliciosas cavalas enlatadas em azeite do José Gourmet com umas gotas de pimenta jalapeno.
Em geral, gosto de usar alho francês e pimento para intensificar o sabor do creme. Adicionar especiarias ou um complemento (cogumelos cozinhados com alho, por exemplo) não carece de muito tempo ou trabalho, e conferem diferentes texturas e contrastes.
Nesta lógica, não posso deixar de aconselhar uma sopa que descobri recentemente e que combina dois dos ingredientes locais mais comuns – abóbora e mexilhões – com um tempero de caril, comprado no Martim Moniz, numa mercearia gerida por uma simpática família do bangladesh, residente em Lisboa.
Dicas: esta combinação de especiarias, abóbora e mexilhões é excelente mas, se quisermos dispensar o marisco, o impacto das especiarias chega para nos surpreender. Qualquer tipo de abóbora pode ser usada, mas os temperos devem ser ajustados consoante a escolha, dado que este legume tem variantes mais ou menos doces. O creme pode ser preparado de véspera e os mexilhões cozidos no dia e adicionados à sopa antes de servir.
Fácil de fazer e pouco dispendiosa, esta sopa arregala os olhos de qualquer um e é uma surpresa à primeira colherada!
Para 4 pessoas
1kg de abóbora
Azeite
1 cebola picada
1 alho francês em rodelas finas
1 colher de chá de cominho moído
1 colher de chá açafrão moído
1 colher de chá de sementes de coentro moídas
1 colher de chá de garam masala
1 colher de chá de pimenta moída
600 ml frango ou vegetais
350 ml vinho branco
Tomilho fresco ou coentro
800g de mexilhões limpos
Sal marinho e pimenta-do-reino moída na hora
Descasque, retire as sementes e rale bem a abóbora.
Faça um refogado com azeite, cebolas e o alho francês, mexendo sempre, até ficarem macios. Junte os temperos e cozinhe por mais alguns minutos. Adicione a abóbora em pedaços e o caldo. Deixe cozer por 25 minutos, ou até todos os vegetais estarem bem tenros.
Reduza o preparado anterior num creme com uma varinha mágica ou liquidificador até obter um creme sedoso e homogéneo.
Numa frigideira grande ou num wok (com tampa), aqueça o vinho com o tomilho e leve ao lume. Adicione os mexilhões e tempere bem com sal e pimenta. Tape a panela, aumente o fogo e deixe cozinhar durante 4-5 minutos, agitando vigorosamente a frigideira com a tampa a cada minuto, para revolver os mexilhões. Pique o coentro. Retire todos os mexilhões das conchas e reserve 8 com concha.
Adicione o coentro picado à sopa, prove e tempere se necessário. Divida os mexilhões com casca entre pratos da sopa. Despeje a sopa sobre os mexilhões e polvilhe com os restantes coentros picados.
Bom apetite!
Sopa de Peixe
Um dos mais requintados e populares pratos da costa portuguesa é a sopa de peixe.
A extensa costa portuguesa e o peixe fresco oferecem-nos a oportunidade de criar um dos mais requintados e populares pratos da costa portuguesa: a sopa de peixe. Um prato que personifica a Dieta Atlântica e o património gastronómico atlântico português.
A sopa de peixe é composta frequentemente por pedaços de peixe cozinhados num caldo de tomate, alho, cebola, azeite e ervas. Na confecção, podem ser usados diversos tipos de peixe ou somente um, sendo comum o tamboril.
Um punhado generoso de coentros dá o toque final. A salsa é a melhor alternativa, caso pertença à percentagem da população que odeia coentros!
Gaspacho à Alentejana e Arjamolho (Algarve)
Gaspacho à alentejana é uma sopa fria, popular durante os meses de verão, composta por ingredientes crus.
Atualmente existem bastantes variações mas, essencialmente, esta sopa fria é constituída por pão, tomate, pimento, cebola, pepino, alho, cortados em pequenos pedaços e azeite. Além dos vegetais frescos, o gaspacho inclui vinagre e açúcar e algumas especiarias! Antes de servir, deve ser mantida no frigorífico durante algumas horas (ou mesmo durante a noite) para intensificar o sabor dos ingredientes em marinada.
No Algarve esta sopa dá pelo nome de arjamolho, muito semelhante ao gaspacho, mas com diferentes proporções de ingredientes.
O gaspacho tem origens longínquas, tendo sido popular na Andaluzia. (sul de Espanha) durante o império romano – com ingredientes ligeiramente diferentes, dado que o tomate foi introduzido na Europa somente no século XVI, trazido da América do Sul, pelos espanhóis. Foi posteriormente introduzida no sul de Portugal (Alentejo e Algarve).
A principal diferença entre o Gaspacho à Alentejana e a versão original espanhola reside na forma como os ingredientes são cortados ou desfeitos. Nuestros hermanos, preferem uma sopa mais cremosa onde os ingredientes são triturados.
A minha versão do gaspacho inclui além de tomate, melância e manjericão e, uma combinação de diferentes texturas (alguns vegetais são triturados, outros cortados em cubos). Além de adorar melância e de facilmente a encontrarmos no verão em qualquer mercado em Portugal, ela confere um sabor doce característico.
Além disso, a adição deste fruto é perfeita para estômagos mais sensíveis, dado que reduz a presença da acidez do tomate.
Leve, cheia de vitaminas e dos nutrientes que o seu corpo precisa em dias de estio!
A minha receita de sopa gaspacho:
Para 6 pessoas
1,5 kg tomate maduro
500 g de polpa de melancia
1 pepino
2 dentes de alho
2 c. sopa de azeite
2 c. sopa de vinagre de vinho branco
1 c. sal sobremesa
qb manjericão
pimenta moída
- Retire a casca da melancia, limpe as sementes e corte em cubos.
- Retire a pele do tomate, limpe as sementes e corte-o em pequenos pedaços.
- Descasque o pepino, corte ¼ em rodelas finas e reserve. Limpe o resto das sementes e corte-as em pedaços.
- Reserve ¼ da melancia e coloque o restante no liquidificador. Adicione os cubos de tomate e pepino, 5 folhas de manjericão e tempere com sal e suco de limão.
- Triture tudo muito bem e coloque no frigorífico a marinar
- Sirva o gaspacho decorado com os cubos de melância reservados e as rodelas de pepino e polvilhe com pimenta e folhas de manjericão.
Bom proveito!